top of page

Saudosista inegavelmente, La La Land é um filme apaixonado por um cinema que não existe mais

  • Leonardo Bastos
  • 12 de mai. de 2017
  • 4 min de leitura

Obra funciona como uma declaração de amor de Damien Chazelle à sétima arte e é uma experiência cinematográfica estonteante

Emma Stone e Ryan Gosling esbanjam carisma e química em cena

(ESSA ANÁLISE CONTÉM ALGUNS SPOILERS)

Em certo momento de La La Land – Cantando Estações, Sebastian (Ryan Gosling) encara com desilusão o estímulo da namorada Mia (Emma Stone) para que persista com seu sonho de abrir um clube de Jazz em Los Angeles. O rapaz dispara “Ninguém gosta mais de Jazz. Você não gosta. Quem dirá os outros”. O comentário acaba refletindo na recepção pública do próprio gênero musical nos últimos tempos, já que é comum ouvirmos de muitos – até daqueles que se proclamam cinéfilos – que falta paciência para aturar obras pontuadas por performances musicais dos personagens. Sendo assim, a paixão e o sentimento de êxodo do personagem representam com perfeição o espírito da obra, apaixonada por um cinema que já não existe e que é cada vez mais menosprezado, La La Landimprime em sua marca a reverência à nostalgia com pequenos toques de roupagem moderna, mas sem a mínima preocupação de soar consistente em nosso contexto. É o onírico que emula a realidade aqui, e não ao contrário.


Talvez, por essas razões, o filme tenha despertado certa má vontade por parte de alguns críticos/cinéfilos brasileiros desde a sua chegada no país - acredito que em decorrência de seu grande hype mundo afora e por ter caído no gosto das principais premiações. Já li críticas/análises/opiniões que despejavam ódio contra a obra alegando que esta era despida de qualquer fidelidade com a veracidade, que lhe faltava estofos de profundidade para ser digna de qualquer relevância e que os atores não tinham habilidades como cantores e/ou dançarinos. No caso da primeira observação, é muito contraditório que amantes da sétima arte a mencionem como demérito, já que um dos grandes êxtases que não só o cinema, mas a arte no geral, pode nos proporcionar é seu total descompromisso com a exatidão do mundo, sua capacidade de mergulhar no subjetivo e nos libertar por alguns instantes da frieza e desencanto aparentes da existência. Já em relação à segunda, discordo totalmente. Tematicamente, a obra dialoga com bastante coesão com sua atmosfera, já que é a jornada dos sonhos e do luto por uma eminência saudosa que permeia a narrativa. E confesso que a ausência de grande talento musical dos atores me encantou, pois a intenção do projeto é remeter e não superar ou fazer jus aos gênios da coreografia como Gene Kelly.


A intenção da obra de saudar a finada Hollywood já é constatada em seu enredo, praticamente o mesmo de Cantando na Chuva e de outros tantos musicais, onde duas pessoas almejam ingressar com sucesso no mundo artístico e apaixonam em meio as suas trajetórias. O que poderia ser digerido como datado, tendo em vista que as tecnologias presentes no filme ilustram que estamos perante á contemporaneidade, acaba estabelecendo nexo fundamental à proposta de Damien Chazelle que se diverte principalmente explorando a incompatibilidade de uma estória atemporal num cinema que, com o passar dos anos, nos habituou a ficarmos cada vez mais presos à ideia de lógica em um mundo que foge de qualquer padrão do conceito.


Chazelle, que por sua vez já havia se aventurado com excelência na abordagem da musicalidade como impulso no maravilhoso Whiplash – que, por ironia, tem sua realidade seca e crua como um belo contraste com La La Land -, não tenta jamais negar a atmosfera nostálgica da obra, conduzindo suas sequências com base num amontoado de referências clássicas a Duas garotas românticas (1967), Grease – Nos Tempos de Brilhantina (1978), West Side Story (1961), Charity, meu amor(1969), Boogie Nights (1997), entre outros. Admirável, por exemplo, como algumas dessas menções são sutis. Vide o momento em que Sebastian se apoia num poste e dá uma leve volta no canto do plano, remetendo à cena icônica de Cantando na Chuva – principal inspiração do projeto, logicamente -, sem que a câmera precise focar no ato para deixar claro. Imprimindo energia em sequências regidas por um espetacular domínio da mise-en-scène, já impressionante na vibrante cena de abertura que passeia com um espetacular plano-sequência - que permanece na altura dos figurantes - por um engarrafamento no trânsito até resultar numa coreografia coletiva que com certeza exigiu muito esforço da equipe.


Aliás, se La La Land é um orgasmo visual do início ao fim, merecem aplausos também o impecável o design de produção de David Wasco – que já trabalhou com diretores de grandes ímpetos estéticos como Wes Anderson -, conferindo uma lógica de cores que realçam a magia das referências, e a fotografia de Linus Sandgren, recriando uma Los Angeles reluzente que contempla o romantismo e o deslocamento daquele universo. Além de criar uma série de planos memoráveis, a exemplo daquele que traz o rosto de Mia coberto pela projeção de Juventude Transviada, ou aquele que a personagem é cercada de neon vermelho ao ouvir Sebastian tocar pela primeira vez.


E sei que tendemos a considerar aquele final um tanto forçado dramaticamente, mas prefiro analisar pelo seguinte ponto: La La Land é uma obra muito mais de atmosfera e de significados implícitos através da subjetividade desta, ao destinar o casal à promessa de um romance idealizado, Chazelle não está recorrendo de modo barato a obras como Os Guardas-Chuvas do Amor (1964) e Casablanca (1942), mas salientando a passagem de um cinema que ficou no passado. Usando de sua metalinguagem para sintetizar como sente esse cinema. Mia e Sebastian aparentemente realizaram seus sonhos artísticos, caminhando para o futuro como a própria forma cinematográfica. Mas o romance deixado no passado não simbolizaria a própria essência do clássico, que agora sobrevive com flashes nostálgicos da memória afetiva? Representa então a linda homenagem ao momento mais subestimando de Cantando na Chuva nossos eternos passeios por essa era de ouro? Acho que Chazelle nos permite sentir justamente que, por mais que o passado fique para trás, sempre há tempo para uma reverência no coração dos apaixonados pela arte. E se Mia progrediu graças à ajuda de Sebastian, seu olhar de carinho, ao interromper seus passos e encará-lo no instante derradeiro, é a gratidão eterna que o cinema deve às suas inesquecíveis obras.

Definitivamente, La La Land não é escapista.

Comentarios


 POSTS recentes: 
 procurar por TAGS: 
nos sigam nas redes sociais
  • Facebook B&W
  • Twitter B&W
  • Instagram B&W

© 2023 por Pitstop Cultural. Orgulhosamente criado com Wix.com

  • Facebook B&W
  • Twitter B&W
  • Instagram B&W
bottom of page