Domingos de Oliveira faz de BR 716 um mergulho íntimo em suas memórias efervescentes
- Thiago Dantas
- 19 de mai. de 2017
- 2 min de leitura
Diretor revela sua essência em cinebiografia nada usual.

Há quem diga que toda obra ficcional é pessoal, que diz algo sobre seu autor. Embora toda generalização seja controversa, o que acontece em BR 716, o último filme de Domingos de Oliveira, lançado no último ano, atesta essa teoria.
Logo no início do filme, a gente vê uma equipe de filmagem gravando um homem na praia. Uma mulher corre até ele e diz que é personagem, e pergunta se ele é autor ou personagem, personagem de quem. O mesmo diálogo acontece no corte seguinte, mas o enquadramento é outro. Dessa vez, além de mostrar o homem e a mulher, ao fundo do quadro a gente vê o próprio Domingos, diretor do filme, caminhando. A imagem fala por si. E o longa, ao longo de sua metragem, também. E aí entra o mar, não imenso, mas efêmero, formando e desmanchando espumas.
Longe de querer ser um mero registro burocratico e chato, a narrativa de BR 216 é idílica, onírica até. Não à toa a obra perde as cores e assume um preto e branco tão logo seu narrador-protagonista confessa sem pudor que não se lembra direito dos fatos porque estava bêbado, que apenas tenta lembrar das sensações. Como num sonho em preto e branco, onde as impressões são mais fortes e mais intensas do que os próprios atos, o que nos é mostrado é uma expressão íntima e deveras pessoal não do que foi, mas do que pode ter sido; não do todo, mas do que foi sentido.
Nesse mergulho, tão privado, tão particular, nos vemos transportados a uma outra época e temos contato com outros tipos. A saudade do personagem (ou do diretor, tanto faz) em relação a aquilo tudo vira a nossa. A gente se apropria da visão dele e a gente sente tal qual o próprio porque a câmera não permite outra coisa quando captura quadros irretocáveis que nos contam histórias além da história (como, por exemplo, na abertura já descrita ou na cena em que a personagem principal conversa com um de seus amores na cama, depois de um ataque de ciúmes).
E se há o sonho, há também a consciência. O personagem, assim como nós, espectadores, sabe que aquela série de festas intermináveis e emoções tão abudantes de uma vida boêmia vão acabar. E quando acaba, bem, a vida real vem e não perdoa. A vida real, tão bruta e implacável, aparece ali, quando todos os amigos ficam presos dentro do apartamento com medo do golpe de 64 recém instaurado. Ou quando os encontros soam inusitados. Ou quando a vida real, já em cores, já real mesmo, reaparece no formato de sonho.
Tal qual no início, vemos o mar. Ou melhor, a espuma do mar, formando e desmanchando memórias.
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