Rag N’ Bone Man — Human: Precisamos falar sobre estereótipo
- Tarcísio José Morais
- 25 de jun. de 2017
- 4 min de leitura
Em seu álbum debute Human, o cantor e compositor britânico simplesmente mistura toques e arranjos de soul, gospel, blues, hip-hop, o que eu jurava ser impossível e ainda traz letras que fazem jus às referências musicais que ele assumidamente estabelece para o cd de estreia no mercado musical.

A primeira coisa que eu imaginei quando vi as fotos do Roy Charles Graham, com sua barba crescida e seu corpo avantajado que só lhe ajudava a manter a postura de bad man eu jurava que ele era vocalista de alguma banda de heavy metal ou hard rock. Daí, conheci-o como Rag N’ Bone Man e tive a melhor decepção dos meus pré-conceitos em relação a aparência. Em seu álbum debute Human, o cantor e compositor britânico simplesmente mistura toques e arranjos de soul, gospel, blues, hip-hop, o que eu jurava ser impossível e ainda traz letras que fazem jus às referências musicais que ele assumidamente estabelece para o cd de estreia no mercado musical.
Para falar sobre o álbum Human (2017) é necessário analisar, primeiro, o nome artístico escolhido por Roy Charles Graham. Rag N’ Bone Man, “Homem de pano e osso”, nos remete a uma metáfora apaixonante. Ele é ao mesmo tempo, sua aparência e nível mais profundo de seu interior, e não entendamos aqui o interior espiritual, mas material mesmo. Ossos, aquilo que, pelo menos na esmagadora maioria das vezes, é um objeto metafórico para lembrar da igualdade dentre todos os homens. Assim, no nome do cantor temos a aparência (que leva quem o olha ao julgamento) e o interior, igual a todos que o julgam ou pré-julgam. Essa longa digressão é necessária, caro leitor, porque o álbum Human é um reflexo muito forte disso. Durante as doze faixas da versão simples, e nas sete faixas adicionais da versão deluxe, as letras buscam sempre estabelecer um homem preso ao estereótipo, mas que tenta se libertar dele para ser uma pessoa melhor e também para amar alguém.

A primeira canção é a faixa-título do álbum. Human traz uma letra simples, mas com alto poder de fomentar reflexões excelentes. A frase “Don’t put your blame on me” (não jogue sua culpa em mim) ecoa com as vozes de um coral em semelhante tom de grupos gospels, regidos a batidas de soul e hip-hop. A potência vocal de Roy extravasa a força com a qual ele canta os versos, com tanta propriedade que acreditamos piamente que é seu hino particular. Sei que parece redundante, mas, nesse caso, a música, composta por ele, não explicita só um sentimento dele para com o mundo, mas, ao ouvinte que se permitir, ela representa a quebra de visão do mundo para com a sua figura gorda, barbuda e com ares de bad man.
Nas faixas seguintes, Roy vai falar sobre amor e a dificuldade de se compreender que defeitos devem ser tolerados por quem realmente diz amar alguém e que a crença de que a pessoa que amamos pode se tornar uma pessoa melhor deve ser também um sentimento natural de quem ama. Innocent Man, Skin, Bitter End, Love You Any Less, abordam, com toda a poesia a dificuldade de diálogo nas relações justamente por essa ausência de aceitação do outro e de nós mesmos. E essas relações não são estreitas. Podem ser relações de amizade, amor entre iguais ou diferentes que mesmo assim não perdem o sentido que adquiriram em sua essência escrita. Ritmicamente falando, são faixas que vão, novamente e repetitivamente, do soul ao gospel, do pop genuíno ao hip-hop com batidinhas pop. Odetta (uma das minhas favoritas) aparece com a pegada soul intimista, falando abertamente sobre a necessidade do otimismo, não para falsear a realidade, mas para reconhecermos que podemos fazer coisas admiráveis a partir de pequenas ações. Sim, a música faz menção, quase explícita, à depressão, ao vazio existencial de nossos tempos.
Grace, igualmente genial na polissemia, tanto pode ser lida como romântica, a quem se atrever a tal leitura, quanto como um homem em face a um ser superior, a quem ama incondicionalmente. Ego é uma daquelas canções que desafiam o sadismo humano, apontando a forma como algumas pessoas se alimentam das tragédias alheias. A frase I bet you stopped to see the car crash didn't you? (Aposto que você parou para ver o acidente de carro, não foi?) é cheia de significância para o contexto que ele vinha construindo anteriormente na canção. Arrow é sobre o fim de uma relação, mas a voz lírica se esforça para remendar as coisas e não deixar que tudo simplesmente acabe. As You Are (outra que favoritei no momento em que ouvi) é uma linda declaração de amor a alguém, amor fraternal, acrescenta-se. É sobre quando tentamos animar alguém mostrando as qualidades da pessoa e a importância que ela tem para nós. Cantada com ânimo pop e batidinhas de soul é de uma ternura muito simples, mas não simplista. Por fim, Die Easy (em termos de letra, para mim, a mais sensacional) soa como um hino gospel e traz uma visão pesada de alguém que se rendeu à morte por já imaginar o destino de sua alma. O trecho “No momento de minha morte, eu não quero que ninguém se mova/ Tudo o que quero que meus amigos façam é segurar meus braços moribundos” causa uma tristeza misturada com sentimento de libertação que são, a quem se deixa envolver pelo vozeirão rasgante do Roy aliada ao arranjo sutil quase silencioso, de uma plenitude absurda

Rag N’ Bone Man foi a melhor descoberta que fiz esse ano, inegavelmente. O que eu julguei que seria mais um, que não me daria significância maior, simplesmente me proporcionou uma catarse apaixonante. Confesso que em algumas canções, como a própria Die Easy, meus olhos suaram porque consegui me ver dentro da imagem que ele cria no desenrolar da canção.
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